“O centro de Gaia é composto em grande parte por magnetita, um mineral que o transforma em um ímã gigante. As espécies migratórias possuem fragmentos de magnetita em seus corpos que lhes permitem sentir o campo geomagnético para criar rotas para locais mais adequados para sua sobrevivência e retorno ao ponto de partida. A magnetotaxia os torna sua própria bússola. A espécie humana possui fragmentos de cristais de magnetita em seu corpo, mas como não estão ligados ao sistema nervoso, não configuram um sentido. Temos em nossos corpos um fóssil do centro da terra que está relacionado a outras espécies migratórias, mas não sabemos para onde ir ou como voltar.”
No dia 17 de maio as Flechas Selvagem estiveram acompanhadas das Magnetitas da artista Tau Luna Costa e da Planta do Chá, em cerimônia guiada por Daniela Ruiz, em seu projeto Mediteation. O encontro foi parte do ciclo de ativações da exposição “El tiempo como las piedras” na Galeria Tangent, em Barcelona.
“El tiempo como las piedras” (O tempo como as pedras) é um projeto de pesquisa artística de Tau Luna Acosta que busca criar um diálogo entre pedras e migrantes humanos. Ao reunir as partículas atômicas de ambos, o projeto visa descobrir histórias sobre o mundo onde há eventos geológicos que se cruzam, como erupções vulcânicas que permitem que a magnetita suba à superfície da Terra, as explosões solares que tornam a vida possível, guerras pela posse da terra, algo que todos os nossos ancestrais enfrentaram e a violência que reside na nossa falta de linguagem para compartilhar nossas memórias.
Foi um encontro muito especial de tempo presente, passado e futuro, com a presença das pedras do centro da Terra e o chá, planta companheira que habita os corpos dos humanos e não humanos há mais de 5000 anos.
Assim como outros seres vegetais, a Planta do Chá foi produto do colonialismo, com a expansão do capitalismo, alterando as configurações socioecológicas das colônias, estendendo seu controle sobre os habitantes e transformando tudo em “recursos naturais a serem explorados”. A proposta era um ritual de cura, de contemplação e de escuta das pedras.
Daniela contou o mito do Kapewe pukeni (jacaré-ponte), do povo Huni Kuin, enquanto preparava o Chá de Rocha, um Da Hong Pao de plantas nascidas em um solo muito mineral e vulcânico de Wuyi, na China, lugar de “montanhas escarpadas que se retorcem e giram até chegar no céu”. Francesca Trevisani, artista presente no ritual, compartilha que “começamos com o ritual do Chá de Rocha, um chá envelhecido por mais de 10 anos. Ele veio em pequenas pedras. Um ritual que sempre, cada vez que o enfrento, me faz retornar à presença total, em sua plenitude. Presença mental, corporal, respiratória, gotas que molham a pedra e a cobra – presença silenciosa, alimentando-se da infusão, de sua alma – tudo muito marcado (tempo)”.
Francesca também diz que “a transmissão de saberes ancestrais, tal como a transmissão de um ritual, é uma ligação com outras realidades, com realidades diferentes. A vida é um entrelaçamento feito de transmissão de conhecimento e a transformação faz parte do processo da vida, “é como uma troca de pele”, diz Ailton na Flecha 3 – Metamorfose. A metamorfose, explica Ailton Krenak, é um compartilhamento de conhecimento. A metamorfose faz com que a vida seja transmitida e permite que a própria vida se conecte com outros mundos”.
Foram exibidas as Flechas A serpente e a canoa, O sol e a flor e Metamorfose, todas legendadas em espanhol, trabalho realizado pelo grupo de tradutores Selvagem. Para Tau, essa foi “Una ceremonia de toma poderosa cruzando mundos de oriente y Abya Yala a través de jacarés canoa para abrir el corazón y ver juntes las Flechas Selvagem mientras mis piedras gritaban cada vez que decíamos volcán.”
“O que parecia a princípio uma performance em torno da ação de tomar chá, prontamente foi se transformando em um momento íntimo e ritual entre pessoas que estavam prestes a compartilhar importantes conversas sobre todas as formas de vida e os mitos que explicam o começo. É como se o chá que estávamos bebendo abrisse nossos corações e mentes para deixar a palavra sair. O ambiente quente e úmido, entre água, chá e rochas vulcânicas, foi propício para parar o tempo deste ritmo capitalista e assim poder partilhar histórias quase surreais. Naquele dia tive uma revelação entre essas conversas profundas. Conversamos sobre as rochas, que eram nosso ponto de encontro comum, enquanto bebíamos chá de pedra e conversávamos sobre o projeto de Tau em torno da magnetita. O que me levou a conectar imagens que sempre assombraram meu inconsciente e que naquele dia adquiriram significado. Foi aí que compreendi que através do desenho posso exteriorizar o que tenho dentro e que, embora estas imagens parecem desprovidas de sentido à primeira vista, aos poucos vão me revelando e tudo fará sentido”, disse Paula Jaime.
O encontro inspirou as artistas Francesca Trevisani e Paula Jaime, que participaram com suas impressões e criações para esse texto. Tau, Daniela e Francesca fazem parte da comunidade Selvagem, colaboram no grupo de tradutores e seus trabalhos estão atravessados pelos estudos dos Cadernos e Ciclos Selvagem.
“O que foi revelador para mim foi a explicação dessas pedras no desenho, entendi que elas são as guias dessas migrações, são o impulso para continuar, são aquela força mágica que nos move e nos leva para onde precisamos ir . E é isso que me conecta com a obra da Tau, que fala da magnetita como um mineral que vive em todos nós e nos guia neste vasto mundo, nos leva aos lugares onde precisamos estar e nos encontra com as pessoas que precisamos, que temos que saber. Foi aí que entendi porque essas pedras iluminavam o caminho do meu desenho, pedras que, aliás, também são extraídas desses vulcões mágicos lilases.”
Desenho ~ revelação de Paula Jaime
Texto por Tau Luna Costa, Daniela Ruiz, Francesca Trevisani e Paula Jaime