Skip to main content
Conversas

NO BALANÇO DAS REDES

Por 8 de fevereiro de 2024fevereiro 19th, 2024Nenhum Comentário

Conversa na Rede é uma série de Conversas Selvagem em que, no balanço das redes, Ailton Krenak e convidades embarcam em reflexões sobre a vida. Lançada em 2022, está em seu quarto episódio e, até o momento, Ailton já conversou com o filósofo Emanuele Coccia, com a antropóloga Nastassja Martin, com o antropólogo Eduardo Viveiros de Castro e com o fotógrafo e ativista Hiromi Nagakura. Unindo pensadores de diferentes lugares do mundo em uma constelação de saberes, Conversa na Rede tem feito circular uma gama de reflexões fundamentais, arejadas pelo frescor e delicadeza que o formato oferece. Os episódios são filmados presencialmente e depois publicados no canal do Selvagem no Youtube.


‘Amar, comer e ser comida’, o primeiro deles, foi ao ar em novembro de 2022 e trouxe Emanuele Coccia como convidado. Embalados pelos vaivéns, ele e Ailton dialogam sobre temas como o desconforto com a ideia de futuro, a necessidade de reconexão com a materialidade da vida e a influência de outras formas de vida sobre nossos corpos humanos. Cada conversa conta com a participação de artistas visuais e musicais e nesta as camadas sonoras foram criadas por Raquel Dimantas, Thiago Nassif e Arto Lindsay.

“De certa maneira nós estamos o tempo todo experimentando vida que não é nossa, experimentando outras vidas em nós.”

Ailton Krenak

 

“Agora seria um momento, em um sentido, de encerrar todos os dispositivos que nos permitem depredar, todos os dispositivos que nos destacam dessa materialidade. Tem que ser abolidas as nações, os Estados, e temos de tomar posição de novo do mundo, produzir uma nova relação com todo o planeta e o ponto de partida precisa ser, para mim também, o que você chama de “materialidade da vida”: dormir, comer, o amor, as coisas mais universais, que nos ligam não só entre todas as culturas e todas as populações, mas também aos outros seres vivos, com as outras formas de vida”.

Emanuele Coccia

 

O ateliê de Luiz Zerbini, no Rio de Janeiro, recebeu as redes-canoas e a tripulação selvagem para essa primeira experiência. Depois de dois anos de conversas através das redes digitais, o convite para os pensamentos fluírem no embalo desse objeto repleto de simbologia na história do Brasil e de seus povos nativos mudou as dinâmicas de diálogo. 

Emanuele é autor do Caderno Selvagem A lagarta e a borboleta e do livro Metamorfoses, publicado pela Dantes Editora em 2021. O filósofo também participou do Selvagem Ciclo 2019, no Jardim Botânico do Rio de Janeiro, e de outras conversas online no Selvagem, todas disponíveis no canal do Yotube nesta playlist.

“Temos que deslocar a fronteira entre cultura e natureza, então agora vamos começar a falar do mundo vivo, mas quem está no mundo vivo?”

Nastassja Martin

 

Nastassja Martin, convidada da segunda Conversa na Rede  ‘Os elementos estão falando’, diz que “não é tão fácil falar em uma rede, aprender a pensar na incerteza e no desequilíbrio. A forma do dispositivo faz parte igualmente do conteúdo, do que se fala. Sempre nos colocam em plataformas e por cima de outras pessoas, reproduzindo essa hierarquia do pensamento e isso vai na mesma direção dessa apropriação do pensamento. Nós fazemos isso entre nós mesmos quando, por exemplo, falamos nas universidades. Por essa razão acho que precisamos inventar novos lugares de diálogo”.

“Quando se fala na floresta, se fala para outra gente, se fala pensando que o que existe ao redor está escutando. Acredito que isso muda absolutamente tudo.” 

Nastassja Martin

 

Lançado em fevereiro de 2023, o segundo episódio registra o encontro de Ailton e Nastassja na casa de Denise Milfont, no Rio de Janeiro. Tecendo fios de palavras, eles dialogam sobre tudo que é vivo, se abrindo a reflexões sobre questões climáticas, temporalidade, consumo, reducionismos e a potência da oralidade. Desde o jardim da casa, Zoé Dobus e Mona Cara fizeram os desenhos e Rodrigo Maré e Ayla criaram sonoridades que acompanham o fluir da conversa.

“Os elementos estão falando cada vez mais. Não só a geleira, a montanha. Isso que chamam de “eventos climáticos extremos”. (…) E quem está falando? São aqueles que não tinham voz, que não falavam. Tudo que estava silenciado agora está falando”.

Ailton Krenak

 

Nesta fala, Nastassja comenta também sobre a ZAD (Zona a Defender). A ZAD Notre Dame des Landes foi uma ocupação na França contra um projeto novo de aeroporto entre 2008 e 2018. Ela se tornou uma zona de experimentação com a vida em sociedade não mercantil e várias outras experiências sociais e abriga mais de 200 pessoas até hoje. 

Onde a ZAD dá ao Estado uma boa lição e Qual é a coisa certa a se fazer? são cadernos que dialogam a experiência das ZADs e as discussões sobre outros mundos possíveis, com arranjos políticos, sociais e ambientais que cultivem a vida e não a mercadoria. Nastassja também está presente no Selvagem com o caderno O regressar da noite – reflexões sobre a vida onírica aqui e ali, lançado durante o Ciclo dos Sonhos, no qual ela participou da conversa Caminho – Sonho, também com Ailton.

 

“Eu acho que os brancos estão interessados na contabilidade do mundo, quanto mundo tem pra ele comer. E os povos indígenas estão interessados em quantos mundos eles podem criar. Quer dizer, a gente não consegue querer a mesma coisa.” 

Eduardo Viveiros de Castro

 

Eduardo Viveiros de Castro foi o convidado do terceiro episódio da série: Partículas particulares, gravado no ateliê de Carlos Vergara, no Rio de Janeiro. A flautista Ana Paula Cruz fez uma sublime participação musical e, à sombra de uma mangueira, Ailton e Eduardo conversam sobre temas como as convergências entre a ciência moderna e a sabedoria indígena, os impactos ambientais do capitalismo e a possibilidade de criar novos mundos a partir das ruínas do que conhecemos. 

“O acelerador de partículas do xamã é uma coisa que é ao mesmo tempo uma espécie de microfone com que ele fala com os espíritos, e é uma coisa que traz os espíritos pra terra pra conversar com os humanos, pra poder negociar questões com os seres humanos (…) O chocalho é uma coisa que explora os segredos do espírito, enquanto que o acelerador de partículas da física dos brancos explora os segredos da matéria. É cada um com seu domínio do cosmos.” 

Eduardo Viveiros de Castro

 

Lançado em agosto de 2023, o vídeo teve um alcance significativo nas redes sociais; foi compartilhado por diversos perfis de canais de comunicação e é um dos mais assistidos do canal Selvagem no Youtube. O encontro com Eduardo Viveiros de Castro gerou dois episódios bônus: Onça e Darcy.

“O acelerador de partículas, se a gente for dar sequência a essa ideia, é uma produção de mundos, cada partícula consegue se exponenciar em trilhares de partículas e, digamos que, trilhares de mundos, quer dizer, esses mundos nunca acabam. Ao mesmo tempo que a gente pode dizer: “ah, o povo indígena é especialista em fim de mundo”, a gente podia também afirmar que são especialistas em inventar mundos, e que diferente dos brancos, eles não ficam no fim do mundo, eles criam outros.”

Ailton Krenak

 

Subjetivação radical do mundo é um Caderno Selvagem que nasce da transcrição de trechos da entrevista concedida por Eduardo Viveiros de Castro ao Grupo Comunicações da Comunidade Selvagem, no âmbito do lançamento da Conversa na Rede. Acesse ENTRE DOIS MUNDOS, aqui na ARCA.

 

 

“A diferença entre estar no mundo dentro da floresta e estar no mundo numa metrópole é tão radical que nós poderíamos pensar em modos opostos de vida.” 

Ailton Krenak

 

“Na floresta existe uma variedade imensa de vidas, e os indígenas respeitam cada uma dessas vidas Não somente a vida dos humanos, das pessoas ao seu redor, mas enxergam vida em cada coisa, até mesmo num sapato, numa simples máquina que, ao serem produzidos com a energia do coração, da alma, do pensamento, o produto também recebe vida. Este pensamento dos povos originários, esse modo de considerar a vida e ver as coisas seja, talvez, aquilo que falta no planeta. Penso também que a vida é uma concessão do planeta” 

Hiromi Nagakura

 

O coração é uma das grandes chaves da recém lançada quarta Conversa na Rede. ‘心 Kokoro’, que quer dizer ‘coração’ em japonês, foi realizada em parceria com o Instituto Tomie Ohtake. Nela, Ailton Krenak e Hiromi Nagakura se encontram na casa-ateliê de Tomie Ohtake, em São Paulo, e relembram episódios de suas vivências na Amazônia. Eles também refletem sobre temas como as fronteiras no mundo contemporâneo, a relação entre floresta e metrópole e a possibilidade de conexão verdadeira entre as pessoas. A conversa conta ainda com a participação musical de Marlui Miranda, trazendo cantigas e histórias dos povos indígenas com os quais conviveu e que ecoam fundo nos corações. 

Dois filmes curtos com Marlui nasceram junto a Kokoro. Em ‘METUMJI IÁREN, fala dos antigos’ ela canta e conta a história do povo Suyá de como se descobriu o beiju. Marlui também compartilha um pouco sobre o sentido dessa história e a maneira como é contada nas aldeias. Em ‘ABINA WABAKU TADE, cantiga de ninar’, Marlui traz uma cantiga de ninar do povo Juruna Yudja, trazida por Hi Juruna, Tarinu Juruna e Yabaiwa Juruna:

Abina wabaku tade

parudika pe upakuwã

a ia pã dena ho ho ho

yu dina hu hu hu

txapinu dina ho ho ho 

yu dina 

 

Na tradução feita por Tarinu Juruna e Cristina Fargetti, lemos: “Quando eu voltar da guerra, vou trazer o meu cesto cheio de ossos dos meus inimigos.” 

Em um dos trechos da conversa, Nagakura se dirige a Ailton e diz: “Uma vez você dizia que gostaria de trazer pra floresta os políticos, os empresários, construtores, pessoas que produzem coisas. Era aquele momento que estávamos na floresta, deitados sobre a rede, balançando… E de dentro da floresta, se escutava o som de respingo de água, cantos de pássaros, de bichos do mato, muitos sons. Você me dizia que se pudesse trazer estes políticos para escutarem estes sons que vêm da floresta, eles poderiam entender o tamanho da insensatez no ato de mexer e destruir o planeta a seu bel-prazer”.

Ao que Ailton responde: “Eu lembro e acho que foi um tempo em que eu ainda acreditava que a poesia era capaz de mudar a natureza desses escorpiões. Agora eu não acredito muito que o som dos pássaros e a beleza da floresta possa transformar essa gente bruta que já escolheu um caminho de se impor à vida no planeta. Eles não mudam e não é por falta de oportunidade. Eles não mudam porque não querem um outro modo de vida”.

A Conversa na Rede e os dois filmes curtos foram gravados no âmbito da exposição Hiromi Nagakura até a Amazônia com Ailton Krenak, inaugurada em outubro de 2023 no Instituto Tomie Ohtake, em São Paulo, com a presença dos dois amigos que não se viam há muito tempo. A exposição trouxe os registros das viagens que Ailton e Nagakura fizeram entre 1993 e 1998 e dos encontros com os povos Krikati, Guarani Mbya, Ñandeva e Kaiowá, Yawanawá, Yanomami, Huni Kuï – Kaxinawá, Akrãtikatêjê – Gavião da Montanha e Ashaninka. O livro Um rio, um pássaro (Dantes Editora, 2023), com reflexões feitas por Ailton durante essas viagens, também foi lançado durante a semana de abertura da exposição. Kokoro vai integrar a exposição ‘Hiromi Nagakura até a Amazônia com Ailton Krenak’, que segue agora para o CCBB do Rio de Janeiro, com inauguração no dia 27.02 e depois para os CCBB de Brasília e Belo Horizonte. 

Todos os episódios estão legendados em inglês, e os dois primeiros, com Emanuele Coccia e Nastassja Martin, também possuem legendas em francês. As transcrições e traduções são realizadas com o apoio dos participantes da Comunidade Selvagem e as legendas são produzidas pelo estúdio NOZ Audiovisual. Juntos, os episódios somam 180 mil visualizações (dados de 08.02.24). 

Ao longo de 2024, o Selvagem vai lançar mais duas Conversas na Rede, dando continuidade ao convite para balançar perspectivas e seguindo o conselho de Nagakura, que diz que “criando uma rede de sabedoria dessas pessoas talvez possamos construir um novo tempo”.

 

Texto: Mariana Rotili

Imagens: Elisa Mendes, Ju Chalita e Fred Siewerdt

Deixe seu comentário