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BAK | SENTA QUE LÁ VEM HISTÓRIA: começo, meio e começo

Por 29 de junho de 2023outubro 23rd, 2023Nenhum Comentário

“Semeei as palavras…

Semeei as sementes que eram nossas e as que não eram nossas.

Transformei nossas mentes em roças e joguei uma cuia de sementes…

O que aconteceu foi que a palavra que melhor germinou foi confluência“.

♦ Nego Bispo ♦

 

Confluência, palavra semeada por Nego Bispo ao dizer do encontro de saberes de povos que são, também, terra; orgânicos. Palavra que germina a cada dia na Biblioteca do Ailton Krenak, ou BAK, como carinhosamente a chamamos. A BAK é uma iniciativa da Comunidade Selvagem para catalogar e acessibilizar as falas do Ailton. É também um espaço em que confluem pensamentos, sonhos e anseios diversos que as palavras de Ailton vêm gerando em nossas mentes/roças.

       Neste espaço, além de disponibilizarmos as falas ao público em geral, também organizamos estudos e semeamos sonhos; sonhos regados pela ideia de imaginar um futuro ancestral. Aqui trazemos histórias de (re)existência e amor com Gaia.

     A BAK se faz em um fluxo  vivo. Como quem germina, precisamos de tempo, sol, chuva e vento para espalharmos nossos ramos e ganharmos raízes. O mês de junho marca o início desse movimento. Nascemos em junho de 2021 e seguimos nos energizando a cada dança em volta do sol.

 

Lançamento Biblioteca do Ailton – Ailton Krenak e Mari Pelli – 11/06/2021

     Para seguirmos com o desejo aceso de conceber uma biblioteca constituída da oralidade, uma biblioteca em que não se pede silêncio, promovemos encontros para germinar nossas ideias. Contamos histórias que são atravessadas pelas falas de Ailton Krenak, e dessa germinação nasceu o então encontro Senta que lá vem História, nome sugerido pelo próprio Ailton, referindo-se a uma expressão comumente usada pelos contadores de história. 

     O encontro Senta que lá vem história é um momento idealizado desde o início da BAK. Ele é pensado para ser um espaço vivo que motive pessoas de diversos lugares e saberes a se reunirem em torno dessas falas, buscando sempre aprender com o movimento. Para nos guiar nesse fluxo, convidamos as pessoas a trazerem suas experiências, vivências e produções e assistimos aos vídeos e filmes em que Ailton participa. Juntos conversamos sobre as motivações que nos levam a criar, ser, estar e pisar suavemente sobre a terra. Assim, temos criado um ambiente virtual e informal de encontros com amigos de Ailton e pessoas que, de alguma forma, estão colaborando para que as visões de mundo possam ser ampliadas junto às cosmovisões de povos indígenas.

     Desde o início do Senta que lá vem história, no segundo semestre de 2022, realizamos três edições experimentais. A primeira delas teve a presença de Ailton e Marco Altberg, que trouxeram suas histórias em torno da produção do filme O sonho da pedra, de 2018, dirigido por Marco. Nesse momento todos nós, participantes da biblioteca, pudemos interagir com Ailton e Marcos numa dinâmica circular, como se realmente o fogo tivesse vindo nos visitar para contar suas histórias. 

     Após esse encontro, realizamos duas outras conversas de aprofundamento nos temas de Ideias para adiar o fim do mundo, livro de Ailton lançado em 2019. Com a presença de Maria Agraciada Tupinambá e Braz Nogueira, conversamos sobre a visibilidade de pessoas indígenas. Junto do convidado Maurício Arruda, pensamos em como essas vozes têm ecoado e ganhado cada vez mais alcance.

     Estar na BAK é experenciar o movimento entre o que falamos e o que fazemos, o que se pensa e o que se realiza. Quando completamos um ano, nos perguntamos: “O que é, para cada um de nós, estar nesse espaço?”. Em movimento de cura e amor com a terra, paramos para ouvir o quê, dentro de nós, a BAK falava. O vídeo de celebração de um ano da BAK compartilha as respostas que emergiram:

Biblioteca do Ailton Krenak | Celebração de um ano, junho de 2022

     Entramos em 2023 e seguimos com o Senta que lá vem história, buscando estar cada vez mais conectados com a vida, em todos os seus sentidos. Continuamos a pensar nesse encontro como um espaço de troca e plantio de saberes onde a comunidade se reúna com mestres e lideranças do Movimento Indígena, guardiãs e guardiões do conhecimento e da oralidade. Um espaço para aprender com suas histórias, conversar e partilhar conhecimentos dessa grande biblioteca viva que é a floresta. Saberes vivenciados e transmitidos em experiência, conhecimentos que transitam por um espaço fluído, não endurecido por modelos acadêmicos; sabedoria que gira em roda, num compartilhamento sensível, sempre a ser reinventado e transformado em relação.

     A dimensão virtual nos permite fazer essa conexão entre gentes e lugares, e o elo que nos une é mais forte que a distância. Assim, conseguimos atravessar o espaço virtual criando um espaço ritual, cocriado por meio de exercícios criativos e sensíveis que nos transmitem a energia de uma roda viva e mágica e que permeiam nossas conversas com muito axé, força e luz. 

     O mundo gira, gira também a palavra. Seguimos reinventando palavras que sempre somam, nunca diminuem. Com base nas experiências vividas em 2022, nesse ano de 2023 pensamos nos temas do Senta que lá vem história a partir dos elementos da natureza. Ele inspiraram nossas conversas e movimentos: entramos com poesia nas águas; das águas, passamos às plantas e daí seguiremos por novas raias e horizontes nos encontros que estão por vir. 

     É bonito ver, nesse nosso grupo, como há poetas e artistas de vários talentos. Para celebrar tamanha poesia, nosso primeiro Senta que lá vem história do ano foi um sarau. Teve fogueira e, como numa boa roda presencial, o fogo emanou para além dos limites das telas. Tivemos desenhos, bordados e a poesia rolou solta junto aos cantos e rezos partilhados nas manhãs das últimas segundas-feiras de cada mês. As reverberações seguem para além do aqui e agora do encontro e algumas podem ser revisitadas aqui:

     Entendendo as artes como canteiros da criatividade, a roça que cultivamos em nossos espaços criativos alimenta nossas almas. Este sarau foi uma troca de sementes que germinaram. Delas floresceu uma nova maneira de nos prepararmos para os encontros que viriam. Ali nos benzemos e carregamos de boas energias que fizeram brotar em nós a busca da utopia. Pudemos, então, convidar e receber nossas convidadas e interagir com suas e nossas histórias e saberes de seus territórios a partir de um lugar plural, semeado de múltiplas sementes. 

     Para regar a roça de ideias que plantamos, tivemos como primeira convidada de 2023 a parenta Márcia Mura. Junto com ela veio o movimento das águas, elemento e tema escolhido para a nossa conversa, muito pela relação espiritual e ancestral de Márcia com o rio Madeira, ou o Iruri; para os Mura, um rio que treme. Pensamos nesse elemento também a partir das relações dos integrantes de nosso grupo da BAK com as diferentes águas, rios e mares que fizeram e fazem parte de nossas vidas. Criamos um canal para que essas diferentes águas fluíssem juntas e regassem nosso encontro. Águas essas que se encontraram com o rio Iruri, evocado pela voz de Márcia Mura e com o Watu de Ailton, seu rio avô, hoje adormecido. Na fala de Márcia pudemos sentir o rio Madeira solidarizando-se com o rio Doce: Iruri e o velho Watu, avôs e parentes maiores de territórios diferentes fluindo juntos em suas dores e lágrimas e, no entanto, trazendo ainda uma mesma promessa de vida. 

     Banhados pelos rios que nos sustentam, seguimos plantando. Plantamos sonhos, ideias e abrimos caminhos para germinar confluências. Em maio tivemos um bonito encontro com Cristine Takuá, que nos falou da importância de estarmos atentos ao que brota e cresce, de ouvirmos as plantas e aprendermos com elas. Cris destacou que quando estamos com mente demais, intelecto demais, perdemos a sensação dos pés, do firmamento, das raízes. 

     Na BAK, muitas vezes a magia se manifesta no imprevisto; é assim que nos guia o destino, tirando de nós o controle dos processos para nos guiar em direção a uma coisa nova, a uma confluência que pode ser traduzida pela sabedoria Iorubá “É preciso estar na terra sem perder a essência do céu”. Àiyé Orún, caminhando levemente e fluindo entre modos de sentir o agora. Ta-te-an-do a terra, semeando e enraizando o futuro ancestral.

 

Quando você acorda, é sonho?

Quando você adormece, é sonho?

O que é sonho, se não produto da imaginação?

Produto?

Imaginação?

Coletiva?

Inconsciente coletivo.

 

 

Citação: A terra dá, a terra quer | Nego Bispo, 2023 | Ubu Editora , pg. 15 

Texto: Coletivo BAK

Desenhos: Bruna Bortoletto – @brunacbortoletto

Bordado: Julia Dias

Poema (trecho): Isadora Torres

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