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Ciclo Selvagem

O RECADO DO SOL

Por 3 de maio de 2024Nenhum Comentário

Dia desce, noite sobe ou vice-versa: o céu salpicado de estrelas, planetas, asteroides, conjunções, ângulos, recados. Como parte dessa confluência, habitamos o solo de um mundo em que a terra, as águas e todos os elementos deixam seus rastros, apontam histórias do passado e caminhos para o futuro. Assim como rios podem estar vivos e fluir debaixo da terra, irrigando a vida que está em cima, também cada vida é atravessada pelo Sol no céu e animada pelo Sol em si.

Que recados recebemos quando decidimos escutar o Sol? Como sua presença, sua influência e sua luz transformam a vida e nossos passos na Terra?

Perguntas como essas se formaram aos poucos durante a roda de conversa SOL E SOLO, que aconteceu no dia 24 de abril de 2024 no Teatro Oficina, em São Paulo. Nessa noite de céu aberto, em torno de 100 pessoas ouviram cantos, narrativas e falas de Carlos Papá, Júlia de Carvalho Hansen, Eduardo Góes Neves, José Miguel Wisnik, Cafira Zoé e Camila Mota em um passeio solar pela astrologia, música, literatura, teatro, arqueologia e outros espaços.

Nossa roda de conversa, dessa vez, se manifestou em uma ala, que atravessou a galeria do Teatro Oficina como um alinhamento planetário. Numa ponta, o Sol mirando a linha, projetado em uma imensa tela redonda no alto da galeria do teatro, girando em diversidade de cores, sempre presente. Na outra ponta, a rua, parte constituinte do Oficina em seus 66 anos de existência como um “terreiro de teatro” na metrópole de São Paulo. Uma composição de vozes diversas para ativar essa roda de fazeres e saberes.

O Sol dá o tom da vida em nosso planeta. É o marco zero, onde a vida encontra energia para iniciar, e é também o ponto de referência para onde todas as vidas se voltam continuamente. Procuramos o Sol, nos alimentamos com o Sol, saudamos o Sol, crescemos em direção ao Sol. É principalmente sua energia cósmica que, chegando à biosfera, é recebida e transformada em outras manifestações de energia viva, tornando-se pessoas, pássaros, plantas, bactérias e todo tipo de forma. Em 2024, seguindo os caminhos do Sol, nos atentamos para essa fonte de vida que atravessa e conecta tudo ao nosso redor, desde o microcosmo até a regulação geral do nosso planeta. Seguir nesse sentido é se alinhar a essa esfera maior de onde a vida emana, se renova, pode se transformar e segue em movimento dinâmico. 

No Selvagem, também uma esfera à sua maneira – esfera de aprendizagens, percursos e práticas –, cultivamos conexões entre diferentes saberes, integrando as diferenças em diversidade e movimento. Em nosso encontro no Teatro Oficina, entendemos que as vozes que narrariam nessa noite seriam nossos planetas: cada um com sua própria energia, mas em alinhamento com o Sol sempre presente, como notas em uma escala. O Sol estabeleceu o tom da nossa conversa e do nosso ano, seguindo conosco desde a exposição Viva Viva Escola Viva, no âmbito da qual nasceu o ciclo SOL, passando por narradores indígenas, pesquisadores, cientistas, educadores e chegando ao solo do teatro para, mais uma vez, ser sempre outro, enquanto não deixa de brilhar, irradiar, existir em luz. Toda vida é um mundo. O Sol também se movimenta no cosmos.

SOL E SOLO começou com Carlos Papá, que trouxe cantos e narrativas Guarani a partir do escuro. Cristine Takuá abriu o espaço com defumação e fez coro ao canto entoado por Papá. Como surgiu a primeira luz, as primeiras formas? Com Papá, nosso encontro nasceu, assim como o próprio Sol, da escuridão.


O Sol chegou em cena. 

Logo em seguida, as luzes se acenderam e Anna Dantes apresentou o Selvagem e as pessoas convidadas para a roda de conversa. Em 2024, o Selvagem está trilhando os caminhos do Sol, estudando e escutando esse astro-rei de nosso sistema, fonte da vida na Terra, que atravessa tudo e protege o planeta em sua heliosfera. Nesse âmbito se encontra o ciclo SOL, uma série de 20 falas filmadas, que serão publicadas entre agosto e dezembro de 2024. Anna contextualizou esses movimentos para o público presente, apontando como a roda de conversa SOL E SOLO está integrada a outras narrações e conversas realizadas em 2024.

Como uma pequena amostra do ciclo SOL, assistimos a uma projeção com trechos das falas de narradores e narradoras que já foram filmados: Dua Busë, Francisco Fontes Baniwa, Aliny Pires, Moisés Piyãko, Anacleto Tukano, Carla Wisu, Fabio Scarano, Sueli Maxakali e Isael Maxakali, Marcelo Gleiser, Aza Njeri, Carlos Papá, Fabiano Kuaray, Leonardo Karai, Milena Djaxuká e Djeguaká. 

A palavra passou para Júlia de Carvalho Hansen, poeta, pesquisadora e astróloga. Na nossa noite, ela foi também Júpiter, o maior planeta de nosso sistema. Júlia falou sobre o céu daquele momento: como nossa roda de conversa confluía com os planetas e o Sol. Ela também percorreu diferentes caminhos na astrologia, compartilhando algumas perspectivas que esse saber oferece sobre o Sol e seu simbolismo para os ciclos da vida. 

Júlia trouxe os ciclos naturais, como as estações do ano, e sua relação com a astrologia e os diferentes signos do zodíaco. No caso do Sol, sua passagem pelos diferentes signos do zodíaco têm grande relação com as fases do planeta: como a primavera, que, no hemisfério norte, coincide com o primeiro signo do zodíaco, Áries, a energia dos inícios. Para a maioria das linhas astrológicas, o signo solar representa a vida, um campo de energia e ativação.

A Terra do nosso sistema solar foi Eduardo Góes Neves, arqueólogo e pesquisador. A Terra falou sobre a terra, trazendo o Sol até o solo e suas camadas de tempo e história. Em especial, Eduardo compartilhou com o público sua pesquisa sobre a terra preta Amazônica. Na maior floresta tropical do mundo, encontramos uma camada de terra extremamente fértil que se estende por metros de profundidade e que, há alguns anos, vem sendo estudada como indício da habitação milenar desse território pelos povos originários. 

José Miguel Wisnik foi Saturno: último planeta do sistema solar que é visível a olho nu. Como quem olha mesmo de longe, Wisnik leu o alinhamento de saberes ali presentes e costurou todos em uma narrativa. Recebeu o recado e passou adiante, como os personagens do conto O recado do morro, de Guimarães Rosa, que o ajudou na costura. Os 7 personagens de Guimarães fazem alusão aos 7 planetas do sistema solar, passam adiante uma mensagem, cada um à sua maneira, transformando-a. Assim também, ao atravessar a vida de cada narrador e narradora, o Sol é transformado e se manifesta de uma nova maneira.

Ao piano, Wisnik também cantou o que chamou de uma canção-mantra solar, convidando o público a cantar junto.

O recado do Sol enfim chegou até Cafira Zoé e Camila Mota, artistas do corpo do Teatro Oficina. Cafira foi Plutão: o invisível, o escuro mais distante. No extremo oposto, Camila foi Vênus. Lançando a conversa de ponta a ponta, integraram na roda a presença do Sol no teatro. Camila compartilhou com o público percepções sobre o que o Sol é para a arte teatral, como uma leitura da representação do todo e da força vital em cada pessoa.


Na voz de Cafira Zoé, o escritor russo Vladimir Maiakóvski cantou o Sol e para o Sol: Brilhar pra sempre, / brilhar como um farol, / brilhar com brilho eterno, / gente é pra brilhar, / que tudo o mais vá pro inferno, / este é o meu slogan / e o do Sol.” E também um trecho do espetáculo Mutação de apoteose, em cartaz no Teatro Oficina, com direção de Camila e dramaturgia de Cafira: “O Sol, uma bola de fogo reluzente nem homem nem mulher, se deitava quando queria; e a Lua, uma esfera prata cintilante nem mulher nem homem, aparecia durante o dia quando desejava”.

Selvagem chegou ao Teatro Oficina num momento em que há pouco foi aprovado o projeto de criação do Parque do Rio Bixiga, e o Teatro segue lutando pela reativação da região e do rio como fontes de verde, água limpa e vida no centro de São Paulo. Neste teatro, em que o Sol entra pelos vidros e ilumina todo o espaço, SOL E SOLO foi um momento especial de encontro de saberes, artes e ciências. 

A roda foi filmada e as falas de cada pessoa serão publicadas, entre agosto e dezembro de 2024. Enquanto isso, seguimos percorrendo as trilhas do Sol, escutando seu recado e transformando sua energia em vida pulsante na terra.

Fotos: Jennifer Glass



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