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Artes e Desenhos

VIVA VIVA – EXPOSIÇÃO ESCOLA

Por 22 de dezembro de 20232 Comentários

 Selvagem, ciclo de estudos apresenta as Escolas Vivas em exposição de artes e medicinas na Casa França-Brasil

 

 

Quem caminha pelo centro do Rio de Janeiro pode provar a sorte de ter o olhar atraído por duas onças que ladeiam a entrada da Casa França Brasil. São desenhos Guarani que convidam o público a entrar na exposição VIVA VIVA ESCOLA VIVA, aberta no dia 02 de dezembro e com visitação gratuita até 28 de janeiro de 2024.

A exposição é uma realização do Selvagem, ciclo de estudos sobre a vida e traz, pela primeira vez, a confluência entre as Escolas Vivas, territórios de transmissão de saberes tradicionais que têm sido ativados em diálogos coordenados por Cristine Takuá.

Educadora, mãe, parteira, pensadora Maxakali, Cris habita, há 20 anos, com seu companheiro Carlos Papá Porã Mirim e seus filhos Kauê e Djeguaká, a Terra Indígena Rio Silveira do Povo Guarani-Mbya, e tem compartilhado em relatórios trimestrais as vivências das Escolas Vivas Shubu Hiwea, Huni Kuin; Aldeia Escola Floresta, Maxakali; Mbya Arandu Porã, Guarani Mbya e Bahserikowi, Tukano. Em 2024 a Escola Viva Baniwa passa a integrar o projeto, compondo uma potente constelação de 5 territórios: três na floresta amazônica e dois na floresta Nhe’ërÿ.

Além de coordenadora desse movimento, Cris é curadora desta exposição que comunica ao mundo a existência da resistência na forma de transmissão de saberes, trazendo para o centro da cidade experiências de encontro com o tempo mítico e com os muitos mundos que há no mundo. 

Em suas palavras, ela diz que “a exposição vem para dizer que existe uma diversidade muito grande de povos indígenas no Brasil e que a gente está com uma pequena amostra de povos que estão trazendo o seu pensamento através da arte. VIVA VIVA ESCOLA VIVA não é meramente uma exposição de arte indígena contemporânea, mas uma exposição da essência do pensamento, da ativação desses coletivos que estão nesses territórios trazendo um pouco dessas histórias que são memórias ancestrais traduzidas nessas produções”.

Não há divisões entre as Escolas Vivas na distribuição das alas dessa ocupação selvagem da Casa França Brasil. Ao centro, no coração da exposição, um jardim com plantas mestras traz a presença das guias dos estudos e percursos no Selvagem. A parceria com o Jardim Botânico do Rio de Janeiro fez brotar um jardim por onde caminham animais de madeira entalhados pelos Guarani.

Fotos: Clara Almeida | Acervo Selvagem, 2023

Os pilares, transformados em palmeiras, criam alegorias coloridas e alegres, sustentando o espírito de encantamento que o Selvagem incorpora. Entre elas, no topo, um sutil arco-íris abrilhanta o espaço que apresenta artes e medicinas desses diferentes territórios. Cada uma das expressões trazidas ali é sustentada por histórias, narrativas e contextos muito fortes.

No plano seguinte ao jardim, um altar: ali estão dispostos um pano professor que traz os kenê (grafismos sagrados) Huni Kuï; o pano é um grande mestre que, junto das cestarias Guarani, ensina que se pode aprender geometria, matemática e memória através da presença de outros tipos de professores. Pode se aprender, também, através do fazer. Os kenês foram ensinados pela jiboia e são atravessados por padrões energéticos.

Foto: Clara Almeida | Acervo Selvagem, 2023

Teresa Netë, mestra artesã de tecelagem e conhecedora de 26 kenês da tradição Huni Kuï, esteve na abertura da exposição e no Seminário Aprendizagem Viva. Junto a Dua Busë, ela abriu a escola de tecelagem Una Shubu Xinã Kuï, que ensina 13 jovens artesãs da comunidade a memorizar e aplicar os kenês que ela conhece. Netë trabalha para que a sabedoria ancestral e seus ritos, cantos, costumes e grafismos seja preservada. O desejo é que as jovens mães e avós possam ter uma oportunidade de sustento para suas famílias e autonomia através de seu trabalho nos teares de onde saem redes, tecidos, roupas e outras peças de inegável força.

Ao lado desta ala geométrica da exposição, duas grandes bandeiras verticais: a da esquerda, do povo Guarani e a da direita, do povo Maxakali. Nelas estão seus cantos, códigos e as histórias dos antigos por trás de cada pincelada.

A ARANHA, A JIBOIA E O DONO DOS PODERES DA NATUREZA

As telas Huni Kuï apresentam seus mitos de origem. As grandes pinturas que estão expostas na Casa França-Brasil foram feitas no âmbito de outra experiência conduzida pela Dantes, o Una Shubu Hiwea, Livro Escola Viva, publicado em 2019.

FILME DE ESSÊNCIAS

Também ligada à Shubu Hiwea, Escola Viva do povo Huni Kuï, está uma pequena amostra da Casa de Essências, que evoca os laboratórios instalados em 5 aldeias ao longo do rio Jordão, no Acre, onde pesquisadores das plantas nativas têm utilizado novas técnicas de extração de essências e ativos botânicos para o preparo de aromas naturais e remédios de uso comunitário nas aldeias.

Fruto do sonho do pajé Agostinho Ika Muru, os laboratórios são coordenados por Isaka Huni Kuï e por Tiago Ibã, e desde 2016 contam com a colaboração de Mestre Índio, da Escola de Espagiria, e de Juliana Nabuco neste aprendizado. Juliana e Carlos Papá dirigiram o filme NI ININIPA, que conta essa história e estreou, também, no dia 02 de dezembro e segue disponível no canal do Youtube do Selvagem.

A TERRA NASCEU PERFUMADA

Oito desenhos acompanham a instalação, feitos por Renato Maná e Zenira Nesheni, da aldeia Novo Segredo. São representações de Yuxibu e das famílias que compõem os clãs Huni Kuï. Para eles, muitos seres já vieram junto com esse planeta. A floresta e algumas plantas, inclusive as perfumosas, atribuindo assim um aroma  para a origem do mundo.

Semear narrativas e memórias pluriversais é uma das premissas do Selvagem, que emerge dos 12 anos de vivência que Anna Dantes, através da Dantes Editora, teve com o povo Huni Kuï, trabalhando para eles. 

As Escolas Vivas são as mães do Selvagem e a exposição se coloca como um portal de contato com a diversidade dos povos indígenas no Brasil. Segundo Cris Takuá, “no Brasil muita gente acha que só tem povos indígenas na Amazônia, não entende que tem povos indígena dentro Rio de Janeiro, por exemplo, que tem Guarani resistindo em Paraty, em Angra dos Reis… Muitas vezes isso passa despercebido e é do desconhecimento que vem o preconceito”.

O Selvagem e as Escolas Vivas estão em aliança para que as histórias que são contadas para as crianças não tenham só como base o conhecimento ocidental; para que a história do Brasil, por exemplo, não comece a partir da expansão marítima. 

Além das ativações que estão sendo feitas pelo fortalecimento da memória de cada um dos povos, a exposição é também uma possibilidade de aproximar o público dessas realidades que as próprias escolas não trazem quando ensinam história, arte e linguagens, pois a grande maioria das escolas do Brasil não conseguem dialogar e fazem mediações entre as outras formas de ser, estar e conceber o mundo.

A Flecha 7 – A fera e a esfera toca na ilusão de um país forjado colonialmente pela tentativa de apagamento de toda a memória e dos mundos que estão aqui, vivos.

Foto: Erika Hoch | Acervo Selvagem, 2023

Nas telas Guarani, feitas durante o ciclo Nhe’ërÿ, que aconteceu em junho deste ano no Museu das Culturas Indígenas de São Paulo, estão retratadas a floresta Nhe’ërÿ originária e a floresta modificada após a invasão colonial. Nhe’ërÿ é como os Guarani se referem ao que chamamos Mata Atlântica. Para eles, ela é o lugar onde os espíritos se banham.

Para aprender mais sobre, acesse a playlist do ciclo AYVU PARÁ, que transfundiu para 13 aulas – filme o mergulho feito na língua e composição do mundo Guarani.

O desabrochar da noite também está presente em uma das telas. A narrativa de origem da vida que brota a partir do escuro foi pintada por Fabinho e se conecta com a profunda fala e Carlos Papá que deu origem ao Caderno Selvagem Pytun Jerá.

A tela que traz Nhandesy, a mãe do sol, também conta com um Caderno Selvagem correspondente: A vida do sol na terra, de autoria de Carlos Papá e Verá Kangá, narra as aventuras dos gêmeos Kuaray e Jaxy, filhos de Nhanderu e Nhandesy. 

“Todos os territórios indígenas são Escolas Vivas, mas muitos não se reconhecem como tal.”

 

A Escola Viva Tukano, muito ligada à medicina, trouxe uma farmácia viva amazônica, composta por medicamentos e preparados feitos pelos povos Tukano e Desana. João Paulo Lima Barreto, Anacleto Barreto e Carla Wisu vieram de Manaus para compartilhar a história do Centro de Medicina Indígena Bahserikowi, que está de portas abertas para atender o público muito em virtude do repasse mensal de R$8.000,00 destinado a cada Escola Viva. As mãos curiosas quase não contém a vontade de pegar, abrir e entrar em contato, através de outros sentidos para além da visão, com os chás, óleos e preparados enfileirados numa grande mesa de madeira. Suas propriedades e aplicações estão estampadas em uma das paredes da sala que ancora a presença dos povos do Alto Rio Negro na exposição.

O público presente nas rodas de abertura da exposição e do seminário teve a oportunidade de receber bahsese, uma prática de cura feita por um especialista, o kumu. Kumu Anacleto atendeu dezenas de pessoas que fizeram fila para receber essa terapia ancestral.

Na mesma sala estão os desenhos e pinturas que narram a origem do mundo a partir do entendimento dos povos Baniwa. São 28 aquarelas de momentos das histórias presentes no livro Umbigo do Mundo, de Francy Baniwa. Lançado pela Dantes Editora em março de 2023, ele traz narrativas contadas por Francisco Baniwa à sua filha, à época estudante de antropologia e, atualmente, doutoranda. Frank, irmão de Francy, que seria a pessoa a naturalmente receber o conhecimento do pai, passou a se interessar a partir da arte e essa foi a primeira vez em que ele fez aquarelas.

Acesse aqui O NOSSO TERRITÓRIO É O MUNDO TODO, uma entrevista com Francy Baniwa feita pelo Grupo Comunicações da Comunidade Selvagem.

Um dos sonhos de João Paulo, fundador do Centro de Medicina e coordenador da Escola Viva Tukano é voltar para o seu território e preparar os mais novos para o caminho da medicina indígena. Para isso, Cris Takuá afirma que “não tem como praticar escola viva  se não tiver floresta viva. Não tem como o João Paulo praticar o sonho das medicinas indígenas se não tiver floresta, porque as medicinas estão na floresta, todas as ensinanças que as Escolas Vivas se propõem a ativar nessas memórias que foram apagadas, elas estão na floresta”.

O marco temporal representa o assassinato das escolas vivas: “É não só não conseguir acordar as memórias, mas, de fato, matar as memórias. Porque se toda a floresta que está sendo ameaçada pela mineração, pelo agronegócio, se tudo isso avançar mais do que já está, vai ser difícil a gente continuar sonhando com as escolas vivas. Queremos colocar um ponto de interrogação na cabeça dos brasileiros que, além de não saberem que o Brasil tem mais de 300 povos falantes de muitas línguas, têm um total desconhecimento das nossas lutas, dos nossos sonhos”, completa Cris.

Foto: Clara Almeira | Acervo Selvagem, 2023

A Escola Viva Maxakali e seus coordenadores Isael e Sueli também estiveram presentes na exposição. As obras selecionadas tiveram a curadoria de Paula Berbert, que há muito tempo trabalha junto à Aldeia Escola Floresta. A disposição das obras no espaço respeita as interdições espirituais entre os rituais que cada tela traz. Embora reconhecidos no campo da arte, com trabalhos que circulam em instituições e espaços expositivos, Isael e Sueli vivem uma contínua luta por território junto a seu povo. A ala Maxakali também conta com pinturas  feitas durante oficinas com mulheres, crianças, jovens e anciãos, ocasião em que Cristine Takuá esteve presente e compartilhou no Relatório 6 das Escolas Vivas, elaborado por ela em colaboração com Anai Vera.

MALOCA DAS CRIANÇAS

Em uma ação do Grupo Crianças da Comunidade Selvagem, coordenado por Veronica Pinheiro, a programação da exposição oferece oficinas para crianças e experiências de fortalecimento e nutrição de outras formas de estar no mundo. A canoa, símbolo das Escolas Vivas, está no centro da maloca. Aqui ela se chama ‘Encantada’ e por ela passaram histórias, geotintas, fios e contas, milho… A proposta é que, ao entrar, a pessoa sinta que a dinâmica da aprendizagem é viva e que todo mundo está fazendo parte. 

Foto: Erika Hoch | Acervo Selvagem, 2023

A lousa que circunda o espaço materializa a noção de que não há só um mestre, mas que todos são mestres, desmontando a ideia de um espaço em que um professor está à frente e os alunos atrás. Nessa maloca escola em que todos ensinam e aprendem, nas paredes brilham cartazes coloridos que trazem palavras nas várias línguas indígenas que são faladas e cultivadas nas Escolas Vivas.

Próxima à Maloca está Pedra do Lagarto, uma pintura de Ailton Krenak que registra sua forte relação com o maciço do Espinhaço, na parte sul da cordilheira.

Acesse aqui o release com detalhes sobre as oficinas 🙂

 

COMO FAZER PARTE DESSA HISTÓRIA

O apoio financeiro cria a base de manutenção desses projetos, que têm a natureza de nascerem e acontecerem nos territórios e se expressarem da forma como cada povo entende que isso deve ser.

Em uma conversa de orientação para os mediadores da exposição, Cris conta que “hoje o que Dua Busë faz na Aldeia Coração da floresta, o que Sueli e Isael fazem na Aldeia Escola Floresta, e os demais coordenadores em suas Escolas Vivas, é se colocarem como portais de ativação dos jovens, das crianças, das mulheres, de convidar suas comunidades e seu povo a se fortalecer, ativar e transmitir memórias ancestrais”.

Esse plantio no tempo requer a manutenção de um fluxo contínuo de repasse financeiro para existências que nunca tiveram recursos para além da aposentadoria mensal e da bolsa família, garantindo a possibilidade de uma trégua em relação a essa luta.

 

Visite a página para apoiar ou saber mais.

 

Foto: Clara Almeida | Acervo Selvagem, 2023

As Escolas Vivas são pequenas e grandes rodas em que um mais velho conta uma história, são as danças dessas histórias nas imaginações das crianças, dos jovens ou mesmo na lembrança dos mais velhos. Essas e outras faces das Escolas Vivas serão compartilhadas nos ciclos online que irão ao ar em 2024 no canal do Youtube do Selvagem.

VIVA VIVA é a primeira exposição realizada pelo Selvagem, num grande esforço coletivo por abrir um espaço onde as Escolas Vivas sejam apresentadas ao mundo. Ancorando sua presença por uma temporada no centro do Rio de Janeiro, o Selvagem quer tocar corações e consciências espalhando sementes que convidem pessoas de universos diferentes para se engajem e apoiem o fortalecimento de um mundo que é feito de muitos mundos, que é ancestral e está vivo pois se atualiza todos os dias. 

Os mediadores são os jardineiros desse plantio: além de cuidarem do espaço e regarem as plantas, eles conectam mundos, acolhendo cada pessoa que atravessa a porta e convidando-a à transformação.

Nas palavras de Daniel Grimoni, coordenador do Grupo de Produção da Comunidade Selvagem, a exposição “oferece um ambiente que não segue a mesma lógica da maioria dos ambientes onde essas pessoas circulam em seu dia a dia. Temos aqui um espaço que valoriza a diversidade, a diferença, valoriza a escuta, valoriza a troca, o afeto… E a gente está ali junto, sorrindo, disposto. Só de a pessoa ter contato com essa energia, já é diferente”.

 

PRÓXIMAS ATIVAÇÕES

  • Solo da Cana, de Izabel Stewart, com direção de João Saldanha. Data: 13.01.24 / horário a definir.
  • Uma série de visitas guiadas acontecerá semanalmente a partir de janeiro. Os dias e horários serão divulgados no site e Instagram.

 

Se quiser agendar uma visita, escreva para daniel@selvagemciclo.com.br

 

Texto: Mariana Rotili a partir de falas de Anna Dantes e Cristine Takuá e textos das redes do Selvagem, ciclo de estudos

Fotos: Clara Almeida e Ericka Hoch

 

 

 

 

 

 

 

 

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