O que sente uma cana-de-açúcar?
O que nos diria essa voz vegetal, depois de séculos de exploração?
Estas são algumas questões levantadas em Solo da Cana, trabalho cênico de Izabel Stewart apresentado no dia 13 de janeiro de 2024 na Casa França Brasil, como parte da programação da exposição VIVA VIVA ESCOLA VIVA, realizada pelo Selvagem.
Em cena, um corpo de mulher transforma-se em cana-de-açúcar, ícone da cultura mono-agro-pop, planta que ao longo dos tempos tem tido seu corpo torcido pelas engrenagens de um sistema que sustenta desigualdades e mói o planeta.
Para Izabel, assumir a perspectiva de uma cana de açúcar é um jeito de dizer, junto com os povos indígenas, que a Terra também é viva, também é gente. Que as fraturas que o ocidente criou entre humanos e não humanos, entre quem tem alma e quem não tem, entre cultura e natureza, são um modo muito empobrecido de encarar a beleza da vida.
“Esses binarismos e separações têm consequências muito graves, como o próprio esfacelamento das relações. O atrofiamento das nossas potências afetivas está dando nisso que a gente está vivendo, no aquecimento global, no racismo ambiental e em toda essa violência.”
Neste trabalho Izabel lança-se como atriz e dramaturga, assinando texto e atuação. De estrutura minimalista, Solo da Cana é dirigido por João Saldanha e estreou em setembro de 2023. Foi criado para circular em qualquer espaço, tendo apenas um pequeno banco, uma garrafa de cachaça e uma trouxa como elementos cênicos.
“Na caixa preta do teatro o sentido emerge da encenação. Enquanto que ali, no interior da Casa França Brasil, no contexto da exposição das Escolas Vivas, aquele ambiente já estava todo povoado de histórias, de memórias que dialogam com o que a cana vocaliza.”
Izabel incorporou a cana ao lado de plantas mestras nativas cultivadas pelos povos originários e de trabalhos de artistas indígenas, propondo diálogos em um prédio colonial que já foi palco de transações comerciais e alfandegárias. Pelo mesmo chão por onde transitaram mercadorias e corpos escravizados, agora são cultivados convites à imaginação e práticas de outras formas de relação entre seres.
“Foi muito emocionante poder viver a cana na companhia de plantas mestras como o jagube, a chacrona, o tabaco, o jenipapo, o urucum, o próprio pau-brasil…toda essa gente que tem tanto pra nos ensinar e que é justamente com essa gente que os povos-floresta aprendem. Poder fazer coro a toda essa ancestralidade durante o Solo da Cana no interior desse edifício colonial que é a Casa França Brasil foi realmente um momento muito especial na minha trajetória”.
Sobre a conexão com o Selvagem, Izabel conta que acompanha o trabalho da Anna Dantes como editora há muito tempo, desde a época em que a Dantes era um sebo na Rua Dias Ferreira, o qual ela frequentava. As publicações da editora foram chamando cada vez mais sua atenção por promoverem um diálogo entre a cultura e o pensamento indígena e o ocidental. A essa altura ela já vinha cultivando também um convívio com os Yawanawá, no Acre, com Ailton Krenak e tudo isso a despertou para outros modos de viver e de encarar a vida que realmente reorientaram o seu olhar sobre o mundo.
“A aproximação com o Selvagem veio nesse fluxo, por esse interesse de me contagiar mais e mais por essas cosmologias, de expandir meu universo, de sair desse atrofiamento que a cultura mono capitalista tenta nos submeter. Eu acompanho o projeto das Escolas Vivas desde o início, por ser outro assunto que muito me interessa, que é a educação, mas não só no sentido convencional, mas sobretudo nessa transmissão dos saberes tradicionais que evocam outros mundos, outros modos de viver, de se relacionar com a terra”.
A exposição VIVA VIVA ESCOLA VIVA segue aberta à visitação até o dia 28 de janeiro de 2024, das 10h às 17h. No dia 24, às 17h, será realizada uma visita guiada por Cristine Takuá e Anna Dantes.
EXPOSIÇÃO ESCOLA – Artigo da ARCA sobre a exposição VIVA VIVA ESCOLA VIVA
Izabel de Barros Stewart é artista da cena, performer e educadora. Entre 1997 e 1999 integrou o Atelier de Coreografia, com direção de João Saldanha, e entre 2003 e 2007 trabalhou como assistente de direção e bailarina da Benvida Cia de Dança, de Dudude Herrmann. Graduada em História pela PUC-Rio e Mestre em Dança (DEA) pela Universidade Paris 8, foi professora do Departamento de Artes Cênicas da UFOP por 3 anos. Realiza trabalhos autorais em parceria com diversos artistas, além de atuar em projetos de educação ambiental e artivismo, destacando as atividades quando foi coordenadora da ONG Primatas da Montanha, e na Diretoria de Ecologia do Instituto Educacional e Cultural Ouro Verde. Em setembro de 2023 estreou “Solo da Cana”, primeiro trabalho como dramaturga e atriz, com direção de João Saldanha e produção de e Renata Blasi.
Ficha Técnica – Solo da Cana
Texto, atuação e idealização | Izabel de Barros Stewart
Direção | João Saldanha
Trilha Sonora | Antônio Saraiva
Preparação Vocal | Pedro Lima
Figurinos e adereços | Mauro Leite
Iluminação | João Saldanha
Assistente de iluminação | Vitor Emanuel
Artista Visual | Roberto | Unterladstaetter
Assessoria de Imprensa | Christovam de Chevalier
Gestão e Conteúdo das Mídias Sociais | Top na Mídia Comunicação
Fotografia Arte e Divulgação | Carol Pires
Coordenação Administrativo-financeira | Grupo Saúva
Assistente de Produção | Flávio Moraes
Direção de Produção | Ana Paula Abreu e Renata Blasi
Produção | Diálogo da Arte Produções Culturais
Texto: Mariana Rotili
Imagens: Rafael Blasi e Pepê Schettino