RECIFE TAMBÉM É SELVAGEM

Eu lembro bem do que senti quando assisti a primeira Flecha Selvagem, no dia do lançamento, em maio de 2021. Fiquei tomada por um desejo de que todo mundo visse aquilo, que todo mundo acessasse e sentisse a esperança e nutrição que meu corpo experienciou enquanto via aquela compostagem de imagens envolvida pelo texto fluido de Anna Dantes sendo narrado pela voz de Ailton Krenak. Fiquei em estado de contemplação. O vídeo me trouxe também uma certa nostalgia dos tempos em que eu aprendia me divertindo ao assistir os programas da TV Cultura – não me pergunte o porquê, essa foi a sensação que me deu enquanto meus olhos se emocionavam. Depois, ao saber de cada nova Flecha a ser lançada, eu ficava com uma euforia da certeza dos sentimentos bons que elas me trariam naqueles tempos pandêmicos, tão incertos e solitários.

     Quando o isolamento foi flexibilizado, voltei para meu campo de atuação. Dou aulas e, além de partilhar os conhecimentos manuais ancestrais da costura, também abordo os impactos dos resíduos têxteis, dos modos de produção das roupas e falo de como a agricultura também está diretamente relacionada com os tecidos que nos vestem diariamente. Percebi que havia uma conexão nessa mistura de saberes e informações que também se relacionava com as Flechas e, a partir daí, passei a incorporar os vídeos às aulas, dando vida ao meu desejo de fazer as Flechas chegarem mais longe, além de gerarem conversas lindas sobre as ancestralidades das alunas e provocarem as mais diversas sensações que nos guiavam durante os encontros.

   Ainda no período de isolamento busquei me aproximar mais do que me alimenta por dentro, e nesse caminho descobri que a Comunidade Selvagem era um campo aberto a conexões e possibilidades. Passei a participar das reuniões quinzenais de um grupo que, assim como eu, também havia sentido o chamado para colaborar ativamente com o projeto e me voluntariei para o Grupo Comunicações. Estava distante geograficamente, mas agora bem pertinho virtualmente. Como sagitariana com ascendente em sagitário, me tornei uma Flecheira Selvagem.

   A partir desses diálogos surgiu nosso primeiro encontro Selvagem em Recife, no URD Atelier, na ocasião em que a Flecha 6 – Tempo e amor foi lançada de nove lugares espalhados pelo planeta, cidades em que a Comunidade Selvagem tem sementes. Na capital pernambucana o evento quase não aconteceu; marcamos uma data que precisou ser adiada porque tive COVID. No novo dia combinado choveu muito e algumas pessoas não puderam ir… Mas também teve gente que veio de outra cidade para participar, gente que trouxe bolinho para dividir, que trouxe bancos para tornar o espaço mais confortável. Teve abraços, bordados e depoimentos emocionados. Foi um momento muito especial. Os caminhos das Flechas estavam abertos em Recife e trouxeram também a Flecha 7 – A fera e a esfera, dessa vez na Biblioteca da Fundação Joaquim Nabuco (FUNDAJ), com uma roda de meditação e auto massagem seguida de debate com ativistas locais sobre como podemos cuidar de nós e do planeta.

   A sementinha que foi plantada no Nordeste do Brasil continua sendo regada e adubada para que essa raiz se aprofunde e frutifique em encontros e partilhas ainda mais encantadas, desejando a presença da Comunidade Selvagem, diminuindo as distâncias físicas e alcançando aquele desejo que senti lá em 2021, de contribuir para que um projeto tão inspirador toque em cada vez mais pessoas e consciências.

 Texto e imagens: Natália Borges