Em sua 9ª edição a revista BDMG Cultural trouxe algumas experiências de trocas e aprendizados ativadas por encontros e partilhas de saberes que as pessoas levam consigo. Entre elas está um depoimento de Cristine Takuá sobre o projeto Escolas Vivas, uma rede de apoio a quatro centros de formação em aldeias dos povos Huni Kuin, Tukano, Maxakali e Guarani Mbya articulada pelo Selvagem e coordenada por ela.
O artigo começa com uma contextualização dos desafios postos a lideranças, profissionais, instituições e órgãos estatais responsáveis pelo campo da educação no país em cultivar uma educação de crianças, jovens e adultos que respeite e dê continuidade às práticas e saberes ancestrais de suas etnias e povos, em contraponto ao que hoje percebe-se como estabelecido. Assim, apresenta a Aldeia-Escola-Floresta, em Minas Gerais, na região de Itamunheque, zona rural no município de Teófilo Otoni.
Segue com uma breve apresentação sobre o povo Maxakali, em situação de confinamento em terras demarcadas restritas a menos de 6.000 hectares, ocasionando, por vezes, a necessidade de algumas famílias deixarem os limites da reserva em busca de uma nova terra. Conta também da decisão tomada coletivamente de deixar o território da reserva em Ladainha e a retomada do território tradicional em Itamunheque. No novo território, os professores, artistas e cineastas Isael e Sueli Maxakali, junto às lideranças locais e apoiadores, criaram a Aldeia-Escola-Floresta.
O artigo traz a reprodução da fala que compõe o Caderno Selvagem ‘Escolas Vivas’, elaborado a partir da transcrição do diálogo entre Cristine com Ailton Krenak e Anna Dantes na Conversa Selvagem realizada no dia 21 de março de 2022. Seu depoimento começa com a fala de que “toda a educação é política” e nos remete à Grécia Antiga, reavivando a memória de que o “fazer escola” era em si “uma relação com o prazer, com o ócio, com o encontro e com o diálogo”. Com o passar do tempo a escola se torna um espaço de “ordem, controle e obediência” e que ainda sofre com o processo de mercantilização educacional, exemplificado pela frase usual de que se estuda para ser “alguém na vida, como se a busca por transmitir conhecimento tivesse a finalidade de adentrar o mercado de trabalho” e complementa dizendo que “ser alguém na vida, todos somos”. Sua fala pondera que há uma ilusão em buscar através das letras e números um conhecimento superior, pois os “saberes e fazeres brotam da nossa própria mão, como flor”. Ao priorizar o caminho das letras e números, a educação como é hoje faz com que as crianças percam muito da memória da criatividade e da potência criativa, pois “o fazer das coisas adormece dentro delas” e emenda com uma provocação: “mas será que todo mundo veio ao mundo para saber ler e escrever?”
Cristine compartilha que sofreu quando cursou a faculdade. Foi rotulada como eloquente por sua maneira de ver sentido e, por vezes, um maior poder de comunicação em outras formas de expressão que não somente os textos. É desse lugar o seu sentir sobre que “nem todas as crianças vieram ao mundo para escrever um livro e isso precisa ser respeitado”. Durante 12 anos como educadora em uma escola, viveu a prática da educação que não respeitava o princípio da diversidade, até o momento em que resolveu “abandonar o barco opressor e violento”. Surge então a possibilidade de dialogar com as Escolas Vivas. Fala também que esse é um sonho que vem sendo sonhado junto e é “uma possibilidade de realmente tecer coletivamente uma outra forma de valorizar o que existe, o que é vivo dentro dos territórios”. Uma escola cíclica, circular, que dialoga com os outros seres, inclusive os invisíveis.
Segue dizendo que as Escolas Vivas estão longe de resolver o problema da educação no Brasil dentro das comunidades indígenas. Cristine já esteve por anos no lugar da luta pela educação escolar indígena e reconhece o trabalho de todos os envolvidos nela. Coloca, então, como propósito das Escolas Vivas as “possibilidades de transmitir conhecimentos para além desse espaço tradicional da escola como ela é pensada hoje”. Reconhece também a importância dos apoios institucionais que fortalecem as iniciativas que já existem e os sonhos que querem se desenvolver com encontros, oficinas, intercâmbios e de fortalecimento de memória.
Finaliza falando sobre esse sonho que está sendo iniciado: “É humildemente uma ideia de fortalecer transmissões de conhecimentos, de saberes e fazeres que já estão acontecendo em alguns territórios” e, quase como um convite, encerra: “Vamos tecendo, vamos tecendo esse tecido e vendo de que forma que a gente vai aproximando os mundos e fortalecendo os saberes”.
Texto de Claudia Lima
Imagem: O sonho da Aldeia-Escola-Floresta. Desenho produzido na oficina realizada pelo BDMG Cultural em novembro de 2021. Participaram da oficina: Isael Maxakali, Sueli Maxakali, Cassiano Maxakali, Veronildo Maxakali, Nazareno Maxakali e Isaiana Maxakali.