Texto de Mariana Vilela
“O que podem as plantas nos ensinar? Como fazer do meu corpo canal erótico para polinizar e vegetalizar as relações produzindo outras texturas e humores de mundos?”. Parto destas perguntas para pensar e realizar a performance Vitaloceno, para uma cabeça vegetal, que surgiu com forte inspiração dos textos de Emanuelle Coccia e do Ciclo Selvagem.
Num insight me vi com uma cabeça vegetal, feita de linhas emaranhadas e cultivo de algumas plantas. Um ser vivo. Vital. Não a antropomorfização da planta, mas o contrário, a vegetalização do ser humano. Num desejo de convocar essa força nata das plantas de fazer simbioses, cocontaminações, alianças entre heterogêneos e corpo resiliente. Um corpo que não representasse uma planta, mas pudesse buscar o estado vital, no qual a conexão estabelecida com o vegetal fosse da ordem corporal e espiritual e não intelectual, na tentativa de promover um corpo pensante com uma arquitetura cooperativa. Um ser habitante de dois mundos: corporal e espiritual. Não em oposição, mas em fluxo contínuo. Assim como a planta que habita a escuridão subterrânea buscando alimento com suas raízes e com suas folhas habita a atmosfera buscando o sol para realizar a fotossíntese. “E foi tão corpo que foi puro espírito”, como muito bem escreve Clarice Lispector no seu romance Perto do coração selvagem. Não há corpo separado de espírito. O corpo é o espírito agora!
A forma que encontrei para viabilizar esse trabalho foi confeccionar uma máscara, assim eu traria um outro estado de corpo quando eu a vestisse. Sei que o sentido desta palavra, pós pandemia, traz acoplado significados de morte, restrição e adoecimento. No entanto, trago-a aqui em seu sentido teatral e ritualístico.
Minha formação inicial é em teatro. Estudei muitos anos o teatro de máscara, aprendi com o professor Fernando Linares a arte da manipulação e confecção. Com a técnica do empapelamento, que consiste em cobrir uma superfície com camadas de papeis rasgados, pude dar forma à máscara vegetal com uma bexiga de festa. Em seguida coloquei uma manta de fibra de coco e a cobri com muitos emaranhados de linhas de costura, para finalizar acrescentei algumas plantas: bromélias, dinheiro-em-penca, jiboia e musgos. Então logo vêm as perguntas: Seria possível esse consórcio de materiais? Linha de costura, papel, cola e plantas? As plantas sobreviveriam? Só o saberia a partir de uma disposição à experimentação!
A arte é esse lugar onde as fabulações agenciadas ganham vida e os materiais não são matérias mortas, mas coisas vivas, “emaranhados criativos” que propõem comunicações. Vitaloceno é uma aposta de subversão da lógica do antropoceno para possibilitar outras narrativas (escritas e visuais), de forma centralizar a vida como perspectiva central de criação de mundos.